
A face visível dessas crises - protestos dos policiais por melhores salários - pode ter sido precipitada por estímulo continuado das entidades associativas de policiais. Mas as verdadeiras causas dessas crises são mais profundas e antigas e persistem como brasas sob as cinzas da aparente calmaria, sobrevinda ao término do movimento.
É comum os governantes investirem exclusivamente na infra-estrutura da segurança - prédios, carros, rádio-comunicação, armas - para tentar a redução e o controle da criminalidade, esquecendo quem vai utilizar esses equipamentos, os policiais. Os governos parecem considerar o policial como um funcionário qualquer, deixando de observar que nenhuma função pública ou privada reúne tantos fatores estressantes como o trabalho policial:
· Exposição continuada às intempéries e à poluição ambiental
· Horários prolongados
· Salário indigno
· Encontros tensos com a população
· Contatos com as piores tragédias humanas
· Permanente risco de vida e,
· No caso dos policiais militares, o tratamento disciplinar das humilhantes prisões administrativas.
Os resultados podem ser vistos no hospital da PM, por sinal cada vez mais sucatado: hipertensão, doenças digestivas, sobrecarga na psiquiatria com alcoolismo, envolvimento com drogas e outras descompensações funcionais, além de um número alarmante de suicídios.
De todos esses fatores, o fator gatilho é o tratamento disciplinar desrespeitoso que agride severamente a auto-estima. O ser humano só aceita se sentir subordinado a alguém sob condições muito especiais; quando falta o respeito e o tratamento digno e sobra a pressão injusta, as reações virão: agressão deslocada a cidadãos, à família ou à própria pessoa, apatia, alcoolismo, suicídio ou eventualmente agressão aberta aos superiores ou ao governo.
É cada vez mais evidente que a reivindicação salarial é apenas a ponta do iceberg, o argumento mais compreensível para o grupo e para a sociedade. Por baixo da fratura exposta da greve policial, arde silenciosa a desmotivação e o desinteresse com as necessidades da população.
Nenhum Estado brasileiro tem programa de valorização dos recursos humanos policiais, que cuide concretamente da auto-estima e de outras necessidades críticas: salários, atendimento médico-hospitalar, oportunidades de carreira, condições ambientais adequadas, programas de moradia, transporte e alimentação, prevenção dos riscos profissionais. Sem esse investimento o potencial de crise funcional na polícia continuará ardendo e erupções ocorrerão, queiram ou não as autoridades, permitam ou não as leis.
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Por: José Vicente da Silva Filho é coronel da reserva da PM de São Paulo e ex- Secretário Nacional de Segurança Pública. www.josevicente.com.br
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