Por Daniel Santini
O sociólogo José Augusto Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa nesta entrevista episódios recentes envolvendo a segurança pública do País e defende que é preciso profissionalizar e valorizar a polícia. Três semanas após a morte do músico Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, atropelado por Rafael Bussamra, motorista que fugiu após subornar policiais, ele analisa a corrupção como um problema da sociedade e não apenas das forças públicas. Também fala sobre os ataques sofridos pelas Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, e sobre o Batalhão de Operações Especiais (Bope), a força especializada do Rio de Janeiro.
1 – O episódio da morte do músico Rafael Mascarenhas foi marcado por acusações de suborno. Como vê a corrupção policial?
Antes de mais nada, a corrupção é uma cultura disseminada nas forças de segurança. Para uma sociedade mais transparente, justa e democrática, a corrupção precisa ser extirpada. Mas é uma injustiça muito grande com a polícia só se falar em corrupção policial. É como se a sociedade não estivesse de cima a baixo envolta em relações corruptas.
2 – Como entender a corrupção?
Fala-se muito da corrupção do soldado, que se pode atribuir aos baixos salários, mas evidentemente juízes, deputados e senadores, que também estão entre os corruptos, não recebem baixos salários. Na verdade, a corrupção é um sintoma de uma sociedade sem direitos, calcada no privilégio que pode ser adquirido. Se alguém dispõe de recursos para transformar dinheiro em privilégio, não hesita em fazer isso.
3 – Como lidar com o problema?
Tem um juiz da Suprema Corte que dizia que a luz do sol é o melhor detergente da vida pública. O que é feito com dinheiro público precisa ser transparente. É preciso existir corregedorias independentes na Polícia Civil e na Militar. É importante que qualquer ato possa ser descoberto. Além disso, não existe corrupção de um lado só. As nossas classes médias são historicamente contraditórias: reclamam da corrupção, mas não hesitam em lançar mão quando têm problemas.
4 – A influência de políticos na polícia atrapalha neste sentido?
Sem sombra de dúvidas. Uma polícia mais profissionalizada é uma polícia mais digna, mais correta, menos fundamentada no vício da troca de favores. E o cidadão precisa saber a responsabilidade dele. É importante mostrar como as pessoas frequentemente são contraditórias em relação ao que dizem sobre corrupção. Elas se dizem contra e praticam com regularidade.
5 – Tornar a polícia mais eficiente é fortalecer o enfrentamento e as unidades repressivas?
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro são um exemplo de que a melhor política de segurança não é a do enfrentamento, mas sim a da presença ostensiva e ordenadora da polícia nos espaços públicos. Ter o enfrentamento como bola mestra é absolutamente ineficaz. O que não quer dizer que, no conjunto das ferramentas de ação e prevenção, não exista lugar para forças de choque como Bope e Rota. O problema não são tais unidades. Elas existem com função específica de confrontar forças fortemente armadas.
6 – Em São Paulo, antes havia a política de “Rota na Rua”. Tais unidades devem ser utilizadas ostensivamente?
Não. O problema é justamente querer usá-las como solução para tudo. Em muitos casos, uma boa política de policiamento comunitário, às vezes até com policiais desarmados, é mais eficaz. O confronto puro e simples causa medo, insegurança e muitas vezes a morte de pessoas inocentes por balas perdidas em tiroteios desnecessários.
7 – Na semana passada, após os ataques à Rota, o número de mortos pela polícia disparou. Como vê isso?
Em São Paulo, desde a gestão Mario Covas (PSDB), há um programa de redução de letalidade policial vencedor. Agora existem bolsões de resistência a política de não matar. São setores que acham que a polícia precisa responder sempre um tom acima para provar a superioridade, sua capacidade de impor a ordem. As execuções que ocorreram após aquela série de ataques de uma facção criminosa às forças policiais (em maio de 2006), são exemplos disso.
8 – O que pensa da unificação das Polícias Civil e Militar?
Deveria haver uma polícia só, unificada e municipal. Mas essa separação acabou sendo consagrada na Constituição e é muito difícil ser desmanchada, até porque existem culturas corporativas diferentes e que têm capacidade grande de mobilização política.
9 – O que fazer então?
Talvez fosse melhor investir para que cada polícia pudesse realizar o ciclo completo da operação policial. Já que as chances de virmos a ter uma polícia só são mínimas, talvez fosse melhor que tanto a Polícia Militar quanto a Cívil pudessem tanto patrulhar, quanto investigar e abrir inquérito.
10 – E a importância de aumentar os salários? O que pensa de policiais trabalharem como seguranças?
Primeiro, o salário é definitivamente muito baixo para o risco que o policial corre. Depois, não vejo problema em policiais atuarem na segurança, mas isso deveria ser regulamentado. Não dá para o soldado atuar clandestinamente na firma de segurança ilegal do capitão do próprio batalhão. Abre-se uma porta para as mais variadas formas de corrupção e promiscuidade entre a força policial, os comerciantes e a população em geral. O problema é que não se reconhece e, portanto, não se regulamenta, não se cria uma norma jurídica de responsabilidade legal para a atuação dele como segurança.
Fonte: Folha Universal
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