terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A INCONSTITUCIONALIDADE DO REGULAMENTO DISCIPLINAR

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DIZ QUE NINGUÉM PODE SER PRESO SE NÃO EM RAZÃO DE LEI. O RDE É UM DECRETO, LOGO NÀO PODE SER USADO PARA PRENDER NINGUÉM.

A ilegalidade da aplicação das punições disciplinares de impedimento disciplinar, detenção e prisão previstas no art. 24, incisos II, IV e V, do Decreto n° 4.346/02, diante da não recepção do art. 47 da Lei n° 6.880/80 pela CF/88.

A CF/88 em seu art. 5°, inc. LXVIII prevê que “conceder-se-á 'habeas corpus' sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
No que tange a previsão do art. 142, § 2°, da CF/88, o qual prevê “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares” é pacífica a jurisprudência pátria quanto à possibilidade de impetração do writ em relação a punições disciplinares, mormente quando a prisão for decretada em flagrante ilegalidade ou abuso de poder, vedado, tão-somente, o exame de mérito. Veja-se excerto da jurisprudência do STF, verbis:

"não há que se falar em violação ao art. 142, § 2º, da CF, se a concessão de 'habeas corpus', impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito" (STF, 2ª Turma, RE nº 338840/RS, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJ 12/09/2003) (g.n)

O ordenamento jurídico pátrio, nos fundamentos da CF/88, art. 5°, inc. LXI, prevê, verbis:

“LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” (g.n)

Vê-se, claramente, que o legislador constitucional teve o intuito de estabelecer a necessidade de lei delimitadora das hipóteses não apenas para os crimes, mas também para as transgressões disciplinares.
O que se vê nas punições disciplinares (prisão, detenção e impedimento disciplinar), é que a sanção aplicada ao paciente, na maior das vezes, está a restringir a locomoção do militar e, dessa forma, só poderiam ser validamente aplicadas caso houvessem sido definida em lei stricto sensu, o que invariavelmente, tem a reserva legal como forma de se coibir o arbítrio e o abuso da Administração Pública, mormente na caserna, quando da aplicação da sanção disciplinar.
Destarte, com a entrada em vigor da CF/88, houve a revogação do art. 47, da Lei n° 6.880/80, mormente com relação às transgressões militares que restringem a liberdade de locomoção, como a detenção disciplinar, o impedimento disciplinar e a prisão disciplinar previstas no Decreto regulamentar, como ocorre hoje no Exército Brasileiro, com a edição do Decreto n° 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4).
Dessa forma, não restou o Decreto supramencionado recepcionado pelo novo ordenamento constitucional, pois incompatível com o disposto em seu art. 5°, inc. XLI.
Conseqüentemente, viciada está a edição do decreto n° 4.346, pois fulcrada em norma legal não recepcionada pela Constituição Federal vigente, o que, invariavelmente, viciou o plano de validade de toda disposição regulamentar contida no referido decreto, referente à aplicação das penalidades de impedimento disciplinar, detenção e prisão disciplinares, ou seja, inc. II, IV e V do art. 24.
Não se trata aqui da inconstitucionalidade do Decreto que aprovou o Regulamento Disciplinar do Exército, até porque a jurisprudência do STF já se firmou no sentido de que não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) com relação a dispositivos de Decreto que regulamenta Lei, pois a questão nesse caso se coloca no plano da legalidade e não da constitucionalidade. (MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA nº 763/SP, Relator Min. Moreira Alves, publicada no DJU em 26/02/93, p. 02355).
Em verdade a inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) já foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI n° 3.340, a qual foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República, sendo que o Plenário, por maioria de votos, não conheceu da ação. O julgamento foi em 03 de novembro de 2005.
Portanto, como bem asseverou o Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, verbis:

“... a matéria a ser examinada resume-se à incompatibilidade material do artigo 47 da Lei 6.880/80 com a Magna Carta, especialmente em relação ao art. 5º, inciso LXI, verbis:
"Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem expressa e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."
Efetivamente, em atenção ao secular princípio de que inexiste pena "sem prévia cominação legal" (nulla poena sine praevia lege) também expresso na Constituição de 1988, não se há de admitir em um regime democrático o estabelecimento de penas restritivas de liberdade (prisão ou detenção) sem que tais sanções tenham sido fixadas por lei, aprovada pelo Congresso Nacional.
Desse modo, não se pode afirmar que o artigo 47 da Lei 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição, eis que com ela se mostra incompatível, pois quando delegou competência ao regulamento para "especificar e classificar as contravenções ou transgressões disciplinares", bem como "estabelecer as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares" incidiu em manifesta contrariedade ao apontado inciso LXI do artigo 5º da CF, o qual, como visto, exige que as hipóteses de prisão por transgressão militar sejam definidas em lei.”

Aliás, este é também o entendimento do TRF da 4ª Região, 8ª Turma, que no Recurso Criminal em Sentido Estrito n° 2004.71.02.008512-4/RS, que por UNANIMIDADE, decidiu, verbis:
“...
3. Ao possibilitar a definição dos casos de prisão e detenção disciplinares por transgressão militar através de decreto regulamentar a ser expedido pelo Chefe do Poder Executivo, o art. 47 da Lei nº 6.880/80 restou revogado pelo novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o disposto no art. 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da República ter promulgado o Decreto nº 4.346/02 (Regulamento Disciplinar do Exército) com fundamento em norma legal não-recepcionada pela Carta Cidadã viciou o plano da validade de toda e qualquer disposição regulamentar contida no mesmo pertinente à aplicação das referidas penalidades, notadamente os incisos IV e V de seu art. 24. Inocorrência de repristinação dos preceitos do Decreto nº 90.604/84 (ADCT, art. 25).” (g.n)

Nosso entendimento é corroborado também pela doutrina, vejamos os ensinamentos dos doutos juristas, verbis:

José Afonso da Silva
"é absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: a lei regulará, a lei disporá, a lei complementar organizará, a lei criará, a lei definirá, etc." (in Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997) (g.n)

Eliezer Pereira Martins
"pode (...) cometer o equívoco de entender-se que quando o legislador constitucional pede uma lei para integrar a eficácia da norma contida na Constituição, está na realidade referindo-se à lei 'lato sensu' (medidas provisórias, decretos, portarias, etc.). Tal interpretação, contudo, em sendo feita de modo genérico, como mostraremos, é rematado erro hermenêutico, já que no universo das disposições restritivas da liberdade individual, a lei a que se refere o legislador é sempre o ato que tenha obedecido o processo legislativo como elemento de garantia do princípio da legalidade e mais exatamente da reserva legal. Ora, é cristalino que decreto não é lei. Na melhor doutrina, aquele é instrumento de regulamentação nos estritos limites da lei que o ensejou"
(in Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua Processualidade. São Paulo: Editora de Direito, 1996, p. 86)

O Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, assim asseverou, ao proferir seu voto como relator do Recurso Criminal n°  2004.71.02.008512-4/RS, verbis:

Ora, é inegável que as sanções em apreço, na forma em que conceituadas, estão a restringir o direito de locomoção do militar e, como tal, somente poderiam ser validamente impingidas acaso definidas em lei stricto sensu, consistindo-se a adoção da reserva legal, pois, em uma garantia para o castrense, na medida que impede o abuso e o arbítrio da Administração Pública na imposição da sanção.

O caso, contudo, não é de declaração de inconstitucionalidade (sujeita ao princípio da reserva de plenário prevista no artigo 97 da CF), tampouco de ilegalidade, das disposições do Decreto nº 4.346/02, senão vejamos.

A respeito, conforme já assentou o Pretório Excelso, "se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade. Neste caso, não há falar em inconstitucionalidade. Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar, é que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle de constitucionalidade" (STF, pleno, ADI nº 589/DF, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJU 18.10.1991). Note-se que, na hipótese, o artigo 47 da Lei nº 6.880/80 conferia expressamente ao Chefe do Poder Executivo a competência para regulamentar a matéria da forma em que procedida, não se configurando, em decorrência, a pecha de ilegalidade do ato.
Poder-se-ia, então, cogitar, in casu, de inconstitucionalidade do referido preceptivo da Lei nº 6.880/80. Porém, como é cediço, o vício de inconstitucionalidade pressupõe a edição, posterior ao advento de uma nova ordem constitucional, de uma norma legal que a contrarie. Em sendo o ordenamento jurídico infraconstitucional preexistente à novel Constituição, a validade dos preceitos daquele deve ser aferida sob o prisma de sua recepção (se compatível) ou não (se colidente) pelo novo mandamento constitucional instituído. Realmente, "a lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional
quando fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face à Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária"
(STF, pleno, ADI nº 02/DF, Rel. Ministro Paulo Brossard, DJU 21.11.1997). O mesmo entendimento, inclusive, já manifestou a Corte Especial deste Regional, na sessão que se realizou em 25.05.2006, ao apreciar a Argüição de Inconstitucionalidade na AMS nº 2001.70.03.000730-1/PR (Rel.ª Des.ª Sílvia Goraieb).

De tal forma, em verdade, operou-se, na hipótese, a revogação, quando da entrada em vigor da Constituição Cidadã, do artigo 47 da Lei nº 6.880/80, porquanto, ao possibilitar a definição dos casos de prisão (e detenção) disciplinar por transgressão militar através de decreto regulamentar, não restou ele recepcionado pelo novo ordenamento constitucional, pois que incompatível com o disposto em seu artigo 5º, LXI. Conseqüentemente, o fato de o Presidente da República ter promulgado o mencionado édito com fundamento em norma legal não-recepcionada pela Magna Carta viciou o plano da validade de toda e qualquer disposição regulamentar contida no mesmo pertinente à aplicação das penalidades de detenção e prisão disciplinares (a saber: incisos IV e V do artigo 24).

Por derradeiro, tampouco há falar, na matéria, em repristinação dos preceitos do Decreto nº 90.604/84, uma vez que, a teor do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foram expressamente "revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a Órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa".
Assim sendo, voto por: a) não-conhecer do recurso em sentido estrito manejado pela União; e b) dar parcial provimento à remessa ex officio para, afastando a inconstitucionalidade Decreto nº 4.346/02, reconhecer a não-recepção, pela Carta Magna de 1988, do artigo 47 da Lei nº 6.880/80 e, por conseguinte, a invalidade dos incisos IV e V do artigo 24 do referido decreto presidencial.

Destarte, as aplicações das punições disciplinares, mormente as de prisão, detenção e impedimento disciplinares são passivas de anulação mediante impetração Habeas Corpus cuja competência para julgamento é da Justiça Federal.
Para as punições disciplinares que estão em vias de serem aplicadas, há a possibilidade de impetração do writ para obtenção de salvo-conduto evitando-se, assim, que a autoridade coatora aplique as sanções em decorrência de supostas transgressões disciplinares, que comporta prestação antecipatória de tutela jurisdicional liminar, ou seja, deve-se quando da impetração do writ requerer o pedido liminar de antecipação de tutela jurisdicional até julgamento final, visto demonstrados o periculum in mora e fumus boni iuris.


Veja as jurisprudências:



FONTE: Policial BR

2 comentários:

  1. Aí está!
    Desde o dia em que esse blog nasceu, eu bato nesta tecla: nenhum servidor público comum dito "superiores" tem poder legal para restringir a liberdade de outro servidor público dito subalternos.
    Na Democracia, o ÚNICO habilitado, segundo a CF, capaz de restringir a liberdade de outrem é o JUIZ DE DIREITO, por "ordem escrita e fundamentada"!
    Apartir de hoje, qualquer oficial que dê voz de prisão ao subalterno e restringir-lhe a liberdade, está cometendo crime, uma vez que não é habilitado nem competente para tal!
    Isso significa que as bases desse "militarismo político", capenga, desrespeitoso, violador de direitos, reacionário, ditatorial, está no fim!
    Afinal, tenho dito, policiais não podem ser soldados e vice-versa: os primeiros para produzir cidadania, tem que percebê-la, e os segundos, jamais podem gerar cidadania, uma vez que estão sujeitos à obediência das leis da Guerra.
    Ou seja, o policial protege e o soldado mata!

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  2. alguem tem que avisar aos nossos dignissímos magistrados petistas que a contituição é válida aqui na tera de galvez tambem....por que se algum policial entrar com um pedido em ser vavor com rtelação esse assunto eles não deferem.

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