segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O mercado bilionário da espionagem no Brasil



Operação da PF revelou a venda indiscriminada de dados sigilosos. Em 2011, o mercado - legal e ilegal - de espionagem movimentou no país 1,7 bilhão de reais



A Operação Durkheim, deflagrada pela Polícia Federal na última semana, lançou luz mais uma vez sobre a venda indiscriminada de dados sigilosos no Brasil. A quadrilha tinha braços em variados setores e faziam parte dela policiais, funcionários de bancos e empresas telefônicas. As vítimas do esquema podem chegar a 10 000 pessoas, entre as quais estavam o prefeito Gilberto Kassab, um senador, um ex-ministro, dois desembargadores, um banco, uma retransmissora de TV e inúmeros empresários, que tiveram seus dados violados. Fundamentado na ilegalidade, esse mercado tornou-se próspero para seus operadores e para interessados em devassar a vida e os negócios alheios. Estudo da RCI - First Security and Intelligence Advising, consultoria em inteligência e segurança, estima que o mercado de espionagem tenha movimentado no Brasil 1,7 bilhão de reais em 2011. A cifra inclui serviços de empresas e de profissionais, formalizados ou não, e investimentos em equipamentos e contraespionagem.

Regulamentada desde 1957, mas livre de qualquer fiscalização, a profissão de detetive particular abarca uma ampla gama de pessoas, nem sempre éticas ou bem-intencionadas. Os desvios mais comuns são a instalação de escutas telefônicas ilegais e a quebra de sigilo bancário, obtidas com o suborno de funcionários de companhias de telefonia e de instituições financeiras. “O clássico detetive particular vive sempre numa linha tênue entre a legalidade e a ilegalidade. Se ele quiser levantar dados de uma pessoa, dentro da legalidade, vai demorar muito tempo, se é que vai conseguir”, afirma Ricardo Chilelli, especialista em segurança e presidente da RCI.

Também é comum que ex-policiais e ex-membros de agências governamentais, em virtude da acessibilidade a dados secretos, componham o furtivo mercado de detetives particulares. A Operação Monte Carlo, deflagrada pela Polícia Federal em fevereiro deste ano, revelou que o bicheiro Carlinhos Cachoeira contava com ajuda de um araponga para plantar grampos em pessoas do seu interesse. O ex-sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, conhecido por Dadá, foi preso na operação, mas, em junho, conseguiu um habeas corpus e está em liberdade desde então.

A RCI existe há 22 anos e assessora 25 companhias brasileiras no setor da contraespionagem, para frear o vazamento de informações, principalmente das áreas de planejamento e marketing. “As empresas perdem com espionagem no Brasil de 1 bilhão de reais a 1,5 bilhão de reais”, diz Chilelli.

Pesquisa feita com 451 detetives particulares do Brasil aponta que a área de direito de família representa 41% do mercado nacional. Dentro desse nicho, lideram as demandas por suspeita de adultério. É o caso clássico do desconfiado que coloca um espião para acompanhar a rotina do cônjuge, para elucidar suas dúvidas. Mas, segundo Chilelli, os escritórios de advocacia também vêm recorrendo aos artifícios da espionagem. Eles têm contratado detetives para reunir dados que podem ser usados em processos de separação ou de pensão alimentícia. “É uma forma de descobrir o tipo de vida que o espionado leva e qual seu verdadeiro potencial econômico”, afirma.

O mundo da espionagem abarca ainda um mercado de dossiês sobre os mais variados temas e que servem, sobretudo, a empresas. A área está em franca expansão e já representa 39% do mercado da espionagem. Na esfera política, esses dossiês as vezes resultam em grandes escândalos, como o que houve nas eleições presidenciais de 2010, com um documento elaborado a partir da quebra de sigilo fiscal de Verônica Serra, filha do então candidato à presidência José Serra (PSDB). Uma investigação da Corregedoria da Receita Federal descobriu que os dados fiscais de Verônica foram violados duas vezes – ambas em 2009.

Localização – Outros 10% dos serviços de espionagem correspondem a pedidos de escritórios de advocacia, para a localização de pessoas que constam como partes de processos judicias, mas estão desaparecidas, o que atrasa o andamento da ação.

Apesar de alguns escritórios de advocacia terem como prática recorrer a espiões, há um limite imposto pela lei. Se o serviço contratado envolver alguma ação ilegal, como a quebra de sigilo, o advogado será também responsabilizado pelo crime. O presidente do Tribunal de Ética da seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Eduardo Fornes Mateucci, afirma que advogados que contratam serviços ilícitos podem ser suspensos por até 120 dias. A punição pode chegar a uma expulsão da OAB, se houver uma condenação judicial.

No passado, os detetives particulares eram remunerados por hora de trabalho. Ou seja, quanto mais tempo demorassem em um caso, maior seria o pagamento. Esse cenário mudou. Hoje, eles recebem por empreitada. Assim, buscam o maior número possível de clientes e, portanto, a agilidade se tornou crucial no novo sistema. Abre-se, para os maus profissionais, uma brecha para a ilegalidade. Na prática, recursos como as interceptações telefônicas são usados com frequência como atalhos. Continue a ler a reportagem clicando aqui.




A profissão na prática – A profissão de detetive foi regulamentada em fevereiro de 1957, pela Lei nº3.099. Contudo, não há órgãos fiscalizadores das atividades de investigação particular. Os profissionais que escolheram o lado da legalidade brigam pela aprovação do um projeto de lei no Congresso Nacional que crie órgãos de controle. Doze documentos com esse propósito estão em tramitação no Legislativo. A esperança está no PL nº1211, de 2011, que propõe a criação do Conselho Federal de Detetives do Brasil e institui Conselhos Regionais. O texto aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. “Nossa expectativa é de que a proposta seja votada no próximo ano”, diz Fernando Carvalho, presidente do Sindicato dos Detetives Particulares do Estado de São Paulo (Sindesp).

Com quarenta anos de experiência na profissão de detetive particular, Carvalho avalia o peso que uma investigação ilícita pode ter na vida de uma pessoa. “Que autoridade eu tenho para quebrar o sigilo de quem quer que seja? Nunca se sabe para que o cliente quer aquele dado, Será que é para matar, torturar, sequestrar?”, diz. “Detetive tem que ter o pé no chão. Não pode fazer o que quiser.”

Fabricio Dias, proprietário da agência Líder Detetives, está no mercado há quatorze anos. “Existem outros caminhos para você conseguir a prova sem ter que passar para o lado da ilegalidade”, afirma. “Um deles é seguir a pessoa e fotografá-la.” A agência tem um corpo de quinze profissionais, que trabalham como freelancers e são pagos por caso. Uma investigação básica custa em média 4 000 reais. No pacote estão inclusas imagens da pessoa seguida e escutas autorizadas, instaladas em casas e automóveis. Os grampos só são considerados autorizados quando o dono da residência ou do carro permite sua instalação. Assim, o mecanismo é muito usado para investigar  adultérios, já que o contratante mora na mesma casa do investigado. Apurar uma traição conjugar leva, em média, de cinco a dez dias.

Atuar dentro da lei, no entanto, custa clientes às agências especializadas. Fabricio Dias conta ter perdido trabalhos para outras empresas por não oferecer serviços ilegais. “Se o cliente pede, e o detetive fala que é crime, a pessoa simplesmente vai procurar alguém que faça esse trabalho, pois há oferta no mercado.”

Vale lembrar: instalar escuta telefônica não autorizada judicialmente é crime previsto em legislação ordinária de 1996. A pena para a violação é de dois a quatro anos de reclusão. Já a quebra do sigilo bancário é ilegal de acordo com lei complementar de 2001, com pena prevista de um a quatro anos de reclusão. Se provado qualquer um dos crimes, a vítima ainda pode processar o culpado por danos morais com pedido de indenização, pois a inviolabilidade da intimidade é um direito garantido pela Constituição Federal.

Contraespionagem – Do outro lado do balcão, há a contraespionagem, a defesa de informações sigilosas. Com medo do impacto econômico que o vazamento de um dado pode gerar, muitas companhias contratam consultorias para neutralizar a venda de dados sigilosos. Essas empresas contam com uma gama abundante de equipamentos que identificam câmeras de vídeo, microfones e outros artifícios tecnológicos usados no mercado da espionagem. “A cada dez vezes que me chamam para verificar se existem grampos em uma empresa, em seis eu encontro alguma coisa”, afirma Ricardo Chilelli, que atua no setor.

Da cifra de 1,7 bilhão de reais que o mercado da espionagem movimentou em 2011 no Brasil, pelo menos 543 milhões  foram gastos em contraespionagem. As companhias não economizam na proteção de suas informações e usam recursos cinematográficos para isso. Um deles é a “sala antigrampo”. No Brasil há 286 salas desse tipo, que custam de 75 000 a 500 000 dólares. Elas não possuem janelas e são equipadas com apetrechos capazes de identificar qualquer atividade eletromagnética. Não é possível usar gravador, celular ou microfone dentro do ambiente. Esse tipo de cômodo é usado por empresários para reuniões que envolvem negociações secretas ou, por vezes, escusas.

A maior parte das salas antigrampo está em Brasília. “As empresas montam o que chamam de “escritório de relações governamentais” na capital federal, onde são instaladas essas salas. A função é criar ambientes seguros para fazer o famoso lobby”, afirma Chilelli.

Os números da espionagem no Brasil mostram o valor da informação, seja ela pessoal ou empresarial. No mundo dos negócios, a relevância dos dados é refletida nos ganhos e perdas econômicos de uma corporação. Na vida pessoal, o uso de dados fruto de espionagem podem causar desde um divórcio milionário até um crime passional.

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