segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Estudo mostra que salários do serviço público estão mais desiguais

Cresceu a disparidade na remuneração dos servidores federais e estaduais. Apenas na esfera municipal, ela caiu
 Disparidade dos salários no serviço público Foto: Arte Márcio Coutinho / O Globo
Disparidade dos salários no serviço público

Se um servidor federal ganha X, o estadual recebe metade de X e o municipal, 50% deste segundo valor. Na média, é essa a tendência das remunerações no serviço público, o que provoca uma forte disparidade entre as três esferas. Tem gestor estadual com salário inicial de R$ 3.800, e federal, com R$ 13 mil. Um médico ganhando R$ 3 mil e outro mais de R$ 7 mil em prefeituras distintas. Motorista do Senado recebendo R$ 3.200 e motorista de município, R$ 800.
Apesar de a desigualdade social vir diminuindo nos últimos anos no Brasil, a salarial está aumentando dentro do serviço público, conforme divulgado na última semana pelo Boletim de Mercado de Trabalho do Ipea. No caso dos funcionários federais, por exemplo, o Índice de Gini, que mede a concentração de renda (quanto mais perto de 1 maior a desigualdade), passou de 0,8728 para 0,8973, entre 2002 e 2009. Entre os estaduais, de 0,7510 para 0,7783; enquanto a esfera municipal registrou queda: de 0,6051 para 0,5678.
— Isso mostra que funcionários de alguns cargos nos setores federais e estaduais estão ganhando mais do que os outros — explica Eduardo Freguglia Daré, mestre em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e co-autor da nota do Ipea. — Por conta dessa desigualdade interna, inclusive, o funcionalismo público não contribui para a redução da desigualdade de renda.
Mil reais para médico no interior
É fácil encontrar editais de concursos que oferecem remunerações discrepantes entre cargos que exigem o mesmo nível de escolaridade e qualificação. Ou até salários para cargos que exigem ensino médio que são maiores do que outros destinados ao nível superior, com especialização.
O salário de mil reais para um médico por 20 horas de trabalho semanais é o oferecido no concurso em andamento da prefeitura de Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco. Já o Senado paga R$ 3.202,94 a seus motoristas, como é possível consultar no Portal Transparência do órgão — o site ainda registra que um analista legislativo que tenha especialidade em medicina pode ganhar R$ 20.959,99 ou, com descontos, R$ 18.277,31. A presidente Dilma Roussef recebe, por mês, R$ 26.723,13 brutos, que caem para R$ 19.818,49.
— É natural que haja hierarquia entre as diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal), porque cada uma tem recursos e responsabilidades diferentes — afirma Mônica Pinhanez, professora da Ebape/FGV de Administração Pública e Finanças Públicas. — Mas não justifica tanta diferença. Deveria haver proporções mais razoáveis.
Cresce competitividade em concursos
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, parece concordar. Tanto é que, na última semana, derrubou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que autorizava o pagamento de salários acima do teto constitucional para 168 servidores do Tribunal de Contas. Eles tiveram os salários, que chegavam a R$ 50 mil, reduzidos ao teto de R$ 24,1 mil.
— O problema da discrepância salarial acaba causando constrangimento para o trabalhador — defende Josemilton Costa, diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Rio de Janeiro (Sintrasef) e secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). — Isso acontece porque o governo federal não tem uma política de recursos humanos definida.
Eduardo Daré apresenta outras hipóteses para os salários fora de ordem. Ele atribui a expansão da diferença de renda no setor público em geral a fatores como aumentos no governo Lula e ao crescimento da competitividade para passar em um concurso, que exige maior qualificação dos funcionários:
— Tem que haver uma balança. Profissionais com grandes cargas de estudo devem ganhar mais. Mas, de maneira geral, essa desigualdade interna é negativa para o país.
Um concurso vira escada para outro, que pague mais
Um profissional formado em ciências contábeis pode ganhar R$ 3.687, se for aprovado no concurso da Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo, ou R$ 6.611,39 caso passe para o Conselho Nacional de Justiça, em Brasília — os dois processos de seleção estão em andamento. Segundo Mônica Pinhanez, professora da Ebape/FGV, a discrepância acaba contribuindo para um fenômeno comum no mundo dos concursos: o uso de seleções como “escada”:
— Existem casos em que a diferença chega a mais de R$ 10 mil entre gestão estadual e federal. Por isso, frequentemente, candidatos utilizam concursos que pagam menos como uma escada para um cargo na esfera federal. Mesmo empossados, continuam estudando para tentar passar em outro concurso, que pague melhor.
Uma situação que pode provocar perdas para os cofres públicos de diferentes esferas.
— Se um órgão perde uma pessoa qualificada, aprovada via concurso, isso vai custar caro: tanto a dispensa desse profissional quanto a contratação de um novo por meio de seleção pública — diz Mônica.
O Ministério do Planejamento, que autoriza a realização dos certames nos ministérios, autarquias e fundações do executivo federal, informa, em nota, que vem procurando corrigir as diferenças de salários: “Onde são detectadas estas discrepâncias têm-se buscado solucioná-las com a aproximação ou equiparação das remunerações. A velocidade deste processo depende de questões orçamentárias, técnicas e negociais com as categorias, posto que muitas vezes as discrepâncias são históricas e sua correção demanda um esforço de alguns anos para a implementação total”.

O GLOBO

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